Manda estava a postos, em cima de uma árvore. Tinha uma boa mira do porteiro da torre, no lugar em que estava. Com uma flecha envenenada certeira, de uma só vez caiu no chão.
Henrique logo depois passou pelo portão sorrateiramente. A carruagem real chegou. Manda desceu da árvore e logo falou com o cocheiro.
- Tudo pronto? O ouro está?
- Sim, chefe. Tudo feito.
- Perfeito.
O príncipe olhou uma última vez para Manda, que já se encaminhando para o portão. O sorriso dela para ele lhe deu um novo vigor para entrar na torre. Era como um sinal de paz, pelo que acontecera ontem. Entrou.
Estava tudo revirado, fora do lugar. Muitos livros em estantes enormes. Uma parte desses livros estava no chão, nas mesas. As poções ficavam numa outra estante. Algumas delas estavam em cima das mesas, abertas. O lugar parecia abandonado, mas mesmo assim era necessário cuidado, pois a bruxa poderia estar em todo lugar. O silêncio foi cortado pelo coaxar de um sapo. Ao olhar de onde vinha o barulho, viu no chão um vestido velho, de cor preta. Alguma coisa estava estranha ali. Correu para a escada, teve medo de ter chegado tarde. E chegou.
O andar de cima estava vazio. Era lá que provavelmente ficava a princesa. Uma cama humilde, com coxa florida e bonecas de pano. Em cima uma carta. Ele cuidadosamente a pegou e leu.
Sentou-se. Estava pasmo, triste, com raiva de si mesmo. Estava cansada de esperá-lo, por isso foi embora. O quanto teria sofrido nas mãos da bruxa para poder tomar essa decisão? Como ela conseguiu sair da torre? Para onde teria ido? Não sabia o que fazer. Levantou-se e tentou achar qualquer evidência de seu paradeiro. Estava desnorteado.
- Ela deve ter escrito em algum lugar, deixado alguma pista em algum lugar de onde ela está agora.
Procurou na cômoda de roupas. Na primeira gaveta, após revirar vários corpetes e roupas de baixo achou um pequeno caderno. Abriu em alguma parte aleatória e descobriu que era seu diário.
“Hoje está chovendo e trovejando. Eu estou com medo. Eu quero chamar meu papai e a minha mamãe. Meu papai e minha mamãe não estão aqui. Eu estou sozinha. A bruxa está lá embaixo.”
A letra parecia bem rústica e a escrita simples. Talvez tivesse feito logo que veio para torre. Folheiou mais uma vez.
“Me falaram que um dia um homem iria me libertar da torre. Mas por que todos eles passam e vão embora”.
Folheou de novo. Dessa vez se sentou.
“Meus planos estão dando certo. Pelas minhas contas hoje estou fazendo 17 anos e como presente aprendi fazer transformações. O porteiro capturou qualquer que passava e o trouxe a torre. A bruxa me ensinou e eu o transformei num sapo. Estou tentando sair daqui, então era ou a vida dele, ou a minha. Não tive escolha. Brianna acha mesmo que quero ser uma bruxa e está me criando como uma filha. Daquele jeito dela.”
“Brianna está orgulhosa dos meus avanços. Mal sabe ela que não estou fazendo isso para agradá-la. Mas acho que seus cuidados não são de mães. Parece que está tentando me seduzir, pois tem me tocado demais. Mais uma arma contra ela.”
“Plano:
- Seduzir Brianna.
- Colocar pó do sono no vinho.
- Quebrar sua varinha mágica (precaução)
- Transformá-la num sapo.
- preparar poção de invisibilidade.
- sair sem que o porteiro perceba, com o que puder carregar.
Não, não vou matá-la. Pelo menos devo todas essas lições de magia a ela. “Até que ela consiga desfazer o encanto, estarei longe.”
Aquela foi a última pagina do diário. Pelo visto deu certo o plano e ela não havia voltado para contar o resto. Ou não havia dado certo e ela não tivera a chance de viver para terminar a história da sua vida? Estava preocupado. Deveria tê-la salvado antes. Talvez antes que ela descobrisse tanta malícia. Abriu em alguma página no começo do diário, pois não acreditava que aquela menininha com medo do trovão, pudesse ser a mesma que seduziria uma bruxa, para transformá-la em sapo.
“A bruxa disse que eu não chamo Marie. Meu nome é Deus do Oculto. Manda.”
O diário caiu no chão. Não precisava ler mais nada. O plano da princesa havia dado certo. E ela ali, bem do meu lado e eu não a percebi. Por que não me contou a verdade? Queria que eu a descobrisse por mim mesmo. Sempre esteve tão perto! E mentiu para mim dizendo que vinha de não sei aonde, sobre povoado destruído por igrejas e coisas do tipo. Estamos quites, pois eu não a salvei e ela mentiu para mim.
A noite anterior voltou à memória.
- É de mim que ela gosta. E eu tão confuso, pensando se poderia salvar Marie, tendo um sentimento por Manda, e elas são a mesma pessoa.
Desceu correndo aquelas escadas com tanta coisa na cabeça. Ela é uma princesa, eu posso me casar com ela. Nossa, é uma mulher tão encantadora, apesar de turrona e cheia de engenhos. E é linda, a mais linda dessa região, com toda certeza. Marie, princesa Marie...
Passou pela sala de Brianna correndo, trombando em tudo, sem ver nada. O sapo pulou a sua frente e o assustou.
- Sai pra lá, Brianna!
Saiu da torre.
- Manda! Manda!
Não havia ninguém em frente à torre. A carruagem também não estava lá. Correu e foi para estrada. O porteiro estava estirado no chão, com uma flecha em sua perna.
- O que aconteceu?
- A bruxa! Foi a bruxa Manda. Ela fugiu com a carruagem cheia de ouro.
Com muito ouro. Não foi difícil encontrar o cofre do palácio e dopar os guardas a noite. Talvez o mais difícil fosse encontrar um comparsa que acreditasse de verdade que ela iria dividir o ouro com ele e ainda por cima ganharia seu amor. O cocheiro real serviu para essa função. Se afastando cada vez mais de Arenosa, seguiu para algum lugar desconhecido, onde talvez esquecesse bruxas, torres e príncipes, sendo esse último o que mais gostaria de ter esquecido.
O príncipe olhou o fim da estrada, mais nada além do céu poderia se ver. Estava sozinho.
E viveram felizes para sempre.