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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 4. Incertezas (cont.3)

No quarto, Manda pensava em tudo que estava acontecendo nesses últimos dias. Pensava na estratégia que haviam criado para salvar Marie da torre. Tudo já estava pronto. Ela teria a função de atirar uma flecha certeira no porteiro, vigiar e dar cobertura, enquanto ele, sorrateiramente entraria na torre e acabaria com a bruxa, tomaria a princesa e a levaria na sua carruagem para serem felizes para sempre. Fazer esse plano gerou muita discussão na mesa de reuniões, pois ela discordava da decisão dele de levar guardas.
- Se fosse para você salvar a princesa com ajuda de guardas, poderia ter feito há anos atrás e não precisaria da minha ajuda para ensinar sobre bruxas.
- Então eu deixarei os guardas lá fora e entro...
- Esqueça os guardas, Henrique!
- Só quero ser cauteloso.
- Não entende a magia? Rapunzel foi salva com ajuda de guardas? Fiona foi salva por ajuda de guardas?
- Mas ele era um ogro!
- Pois bem, salve com a ajuda da sua guarda e a magia não funcionará. Não ganhará o coração dela...
- Vou ganhando com o tempo.
-... E será conhecido como príncipe Henrique, o covarde. Não terá as glórias de ser o salvador de Marie, a bela princesa, pois a fama será dada aos guardas que o ajudaram.
- Então, sem guardas.
Aparentemente resolvido. Contudo, o capitão da guarda interferiu achando que ela estava ditando muito as coisas na operação e que achava importante a participação dos oficiais. E agora a noite ela relembrava as acusações do capitão e ria da discussão que antes a deixou tão nervosa, pois não deu em nada. No fim, ficou resolvido não envolverem os guardas na missão, por conselho do rei, que só deixou Manda se envolver no dia da missão por muita insistência de Henrique. Era tudo uma bobagem para ela. Onde já se viu um príncipe envolver tanta gente para salvar uma princesa? Isso a fez pensar no que Henrique pensava da princesa. Com certeza a colocava num pedestal, onde nenhum outro mortal estaria. Imaginava que sua beleza cativava qualquer homem que a visse e que ela era dona das mais preciosas virtudes das mulheres. Mas e se ela não fosse assim? Fosse uma mulher comum, com todos os defeitos de uma jovem qualquer? Manda se olhou no espelho. Estava pronta para dormir. Colocou a mão em seu rosto e deslizou até seus cabelos longos.
Um toque na porta a surpreendeu. Não estava esperando nada há essa hora. Abriu. Era Henrique.
- Me deixe entrar antes que alguém me veja.
Ela o deixou passar e fechou a porta. Henrique trazia na mão uma lamparina e um vestido de festa.
- Hoje a noite, no reino vizinho terá uma festa da nobreza. Meu pai está indisposto, não poderá ir, mas quero que você vá comigo.
- Eu? E o que vou fazer lá?
- Festas de nobres são muito chatas. Quero que você vá comigo, assim tenho uma pessoa agradável para conversar.
- Agora sou agradável? Me dê esse vestido.
Olhou-o pelo espelho. Teria que usar espartilho e achava isso uma lástima.
- Tenho que usar espartilho. Não uso isso há séculos!
- Pelo menos já usou alguma vez. Vamos, coloque o vestido, porque já mandei preparar a carruagem para nós.
Ela não queria ir, mas não tinha nada que tirasse a insistência de Henrique pra que Manda fosse. Ela foi mesmo contrariada. O vestido havia lhe caído certinho e a transformado numa nobre e quiçá uma princesa, de forma que o príncipe não parava de olhar para ela, admirando sua beleza, o que fez Manda ficar mais sem graça e com menos vontade ainda de ir à festa. Fez um penteado simples, com todo o tempo que a pressa poderia proporcionar e foram para a festa. No caminho a maior reclamação era o espartilho. Ela perguntava-se porque não relutou ainda mais em ir, já que previa que essa festa não seria das melhores.
Chegaram ao destino. O lugar estava lotando. Homens e mulheres todos mostrando seus status nas roupas e nos tratos.
- Oh, príncipe Henrique, seja bem vindo! Quem é essa dama encantadora que trás?
- Sou...
- Ela é a condessa de Moniére. Veio de Veneza visitar com seus pais o nosso humilde reino de Arenosa.
- Encantado, condessa! – e beijou sua mão, colocando seus olhos cor de mel nos olhos dela. – Príncipe Carlos, desse humilde reino de Sólis, ao seu imenso dispor.
Ela o reverenciou, sem nada dizer, apenas retribuindo o mesmo olhar. O príncipe se retirou, com toda educação.
- Não gosto dele. Nunca vi mais trambiqueiro. Não sabe dizer a verdade e corre atrás de todas as mulheres que vê.
- Eu o achei adorável. E ainda com todas essas virtudes...
- Olha, tente se comportar aqui, afinal não estamos numa taverna. Você é a condessa de Moniére de Veneza. Fala nossa língua porque foi criada em três idiomas diferentes.
- Oui, je vais boire un verre.
Ela saiu para se servir de vinho, enquanto Henrique a olhava intrigado, por saber além de bruxaria, falar francês. Nesse espaço de tempo, foi abordado por alguém que não queria.
- Príncipe Henrique!
- Priscila de Cantuann!
- Há quanto tempo não o vejo!
- Sim, é verdade.
Era filha Condessa de Cantuann: apaixonada por ele desde quando se deu por gente. Uma loira vistosa a vista, virtuosa, mas com o defeito do ciúme excessivo, algo que não era bem visto pelos homens. Nisso já completara quase trinta anos e ainda não estava casada. Mas esperava pacientemente que um dia o príncipe de Arenosa a pedisse, mas ele mal queria vê-la.
Enquanto isso, Manda observava a festa, tomando um gole de vinho, às risadas, observando o aspecto de Henrique ao lado de Priscila de Cantuann.
- Se divertindo na festa?
Era o príncipe Carlos, um moreno com o rosto de um galanteador.
- Oui, me divertindo muito.
- Quer dançar? Garanto que se divertirá ainda mais.
- Oh, pourquoi pas?
Deu a mão a Carlos e entraram na dança medieval. Manda sorria, relembrando de algo que já havia acontecido com ela alguma vez. Era tudo nostálgico da sua terra distante. E nesses sorrisos trocava olhares com o príncipe que lhe sorria com afeto. A dança os envolvia, enquanto todos ao mesmo passo dançavam conforme a melodia. Henrique parou tudo que estava fazendo, a conversa que tinha agora com nobres de Sólis, e ficou admirando aquela cena, aquela troca de olhares, aqueles toques leves que Carlos o dava em sua cintura quando passavam perto e como ela o retribuía dizendo coisas rápidas perto de seu ouvido. E ele o mesmo. Aquilo o incendiava com uma raiva e ao mesmo tempo uma tristeza de forma que nunca o havia sentido antes. A conversa em que estava prosseguia e ele nem sabia quando havia parado de prestar atenção, mas só conseguia olhar ali e escutar aquela música alegre que para ele se tornava funesta. Pediu licença para os amigos na roda e foi para a sacada do palácio.
Por que estava sentindo-se triste? Vai ver era de ver uma moça encantada por alguém que não a merecia. Estava querendo enganar quem? Ela é uma bruxa, talvez seja ela que não o mereça, afinal é um príncipe. Sim, ela é uma bruxa, não é uma moça, talvez nem virgem seja mais. Não, não é mais donzela de forma alguma, pelas roupas, pelo despudor. Ela ficou seminua para mim na primeira vez que nos vimos. Ele não sabe a confusão em que está entrando. Mas ela se confunde com uma mulher de bem, pois está me ajudando, sem ter cometido todos aqueles crimes de que falaram. Mas será mesmo que não cometeu? Bruxas são ardilosas, cheias de armadilhas, não merecem nosso apresso. Mesmo que nos ajudem? Ah, por que estou triste? Por que estou com raiva? O que ela tinha que dançar justamente com Carlos, ele não presta... Henrique ouviu a voz de Manda se aproximando.
- Ah, príncipe Carlos, é um excelente dançarino.
- Oh, é pela companhia que a dança enche de graça.
- Como é galante, majestade! Un gentilhomme!
- Obrigado! Quer que te pegue uma bebida, senhorita?
- Aceito, grâce!
Carlos saiu. Manda viu Henrique, que disfarçou e fingiu não tê-la visto. Ela se aproximou dele.
- Bonne nuit!
- De onde aprendeu o francês?
- Tenho parentes lá. Morei quando era criança.
- Tem muitos lados seus que não conheço.
- Todos nós temos lados aos quais ninguém conhece inclusive você, não é?
- Sim, todos nós temos. Dançou bastante?
- Muito! A festa não está tão chata como disse.
- Com o principezinho do seu lado, não é?
- Sim, o príncipe dança muito bem, e também é muito bonito e educado.
- Eu não falei que não gostava dele? Qual parte disso você não entendeu?
- E o fato de você não gostar dele, eu não posso gostar?
- Não pode. Conheceu ele agora, eu o conheço desde criança, sei o que ele faz com as mulheres.
- Se não entendeu ainda, eu sei me cuidar sozinha! Você quer sair comigo, mas não quer arcar com a conseqüência de andar com uma aprendiz de bruxa e me disfarça de condessa e depois se diz preocupado comigo?
- Não é isso. É pra sua proteção.
- A proteção da sua imagem como príncipe. Se não me dá valor, não tem direito algum de ter ciúmes. 

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