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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 2. Incômodo (cont.)

O príncipe poderia ter designado essa missão aos subordinados de seu reino, mas cuidar de uma bruxa julgava ser tarefa dele, para testar sua coragem – que todos sabiam no reino que não era a sua melhor virtude. Mas considerava esse um treinamento para outro desafio que queria há anos enfrentar, e por isso, diante desse problema, não poderia vacilar.
Dias mais tarde, recebeu uma denuncia de que Manda estaria usando encantamento para acabar com lares da redondeza. Havia rumores de que dois casais após tomarem uma poção mágica, resolveram se divorciar. Chamaram essa poção de “Anti-feliz para Sempre” e o medo de perderem seus maridos apossou-se das mulheres casadas do reino. Era preciso investigar.
No outro dia, à noite, Manda chegou a pensão, depois de ter ido a um passeio. Dessa vez não fora a taverna, e carregava consigo uma expressão diferente, triste. O dono da pensão nem a cumprimentou, apenas entregou-lhe a chave e nada disse. Mas também não percebeu nenhuma diferença em Manda. Ao entrar no quarto, logo viu o príncipe, sentado numa poltrona, a sua espera.
- Boa noite, Príncipe Henrique. Não esperava sua visita na minha humilde casa.
Com naturalidade, pendurou sua capa no cabideiro e fechou a porta.
- Boa noite, Manda, ou poderia dizer Bruxa Manda?
- Diga como quiser – sentada na cama, tirava seu coturno.
- Sabe que nesse reino, praticar atos de bruxaria é crime, não sabe?
- Sei sim. Veio para jantar, senhor?
- Não. Nunca se sabe quais encantamentos podem ser colocados no prato feito por uma bruxa.
- Oh, sim. Nunca se sabe. Bem lembrado. Mas eu vou comer, a caminhada me deu fome.
Olhou na prateleira da cozinha vários potes. Como a prateleira era alta, pegou uma cadeira e os alcançou, tentando achar comida em algum deles.
- Oh, os docinhos da Dona Maria! Pelo menos ficar presa com seu irmão e aquela bruxa quando criança lhe fez aprender receitas maravilhosas! - Pegou alguns doces e deixou na mesa o pote aberto. – Tem certeza que não quer?
- Não. Obrigado. Gostaria de falar com você sobre o que você veio fazer nesse reino...
- Ah sim, quer que eu te fale quais os meus planos de destruição em massa para esse reino...
- Destruição em massa?!
- Estou brincando. Viu minha toalha por aí?
- Pelo que me lembro está embaixo da cama.
- Oh! Pegue para mim, enquanto pego minha camisola.
Manda foi até a gaveta, pegou a camisola, enquanto o príncipe, contrariado pegava com dificuldade a toalha que estava embaixo da cama.
- Não deveria brincar sobre destruição em massa, em sua situação, senhorita Manda.
- E qual é a minha situação, senhor?
- Recebi denúncias de bruxaria. Segundo informações você tem...
- Feito poções mágicas para acabar com casamentos e blá blá blá...
- E é verdade?
- Você acha mesmo que isso é verdade? – dessa vez parou o que estava fazendo e olhou para os seus olhos.
- Isso é você que deve me dizer. – e manteve o olhar.
- Minha toalha.
- O que?
- Me dê a toalha.
O príncipe, desconcertado lhe deu a toalha. Ela foi para o banheiro, onde a água já estava colocada na banheira de madeira. Henrique se desconcertou ainda mais com isso, e por segundos imaginou como ela seria se estivesse nua, e cogitou se por tamanha naturalidade da garota, se ela tomaria mesmo banho em sua frente. Ela, percebendo esse pensamento de Henrique, deu um leve sorriso e fechou a porta, o que o deixou mais envergonhado de si mesmo.
- Senhorita, há muitas provas que a condena. Há um livro de magia em sua estante. E no caldeirão há uma substância estranha. – disse ao lado da porta do banheiro.
- Sim, há um livro de magia na estante e no caldeirão há sopa de beterraba. Substância muito estranha, não acha?
- Sopa de beterraba?
- Sim. Vou comer mais tarde.
O príncipe pensou em provar para ter certeza, mas preferiu apenas levar um punhado para amostra.
- Sabe que posso te levar presa, e à fogueira se quiser.
- Sei. E por que não me leva?
- Por... porque quero ouvir uma declaração sua sobre o assunto.
Um silêncio tomou o outro lado da porta. Henrique ainda permanecia com os ouvidos atentos ali. De repente a porta se abriu. Manda estava com a toalha enrolada em seu corpo.
- Você não está entendendo, não é? Não importa o que eu falar. Eu entrei nessa cidade e já fui condenada como bruxa, se eu sou ou não, isso não interessa! Ou você vai contra todo seu povo pra lutar pelo que eu disser ser verdade?
- Então sugiro que deixe essa cidade.
- Eu não vou deixar a cidade. Que a sua consciência faça o serviço.
Fechou a porta do banheiro. Henrique nunca ficou com tanta raiva de uma mulher, como naquela hora. Tentou se conter para não abrir aquela porta e dizer-lhe umas verdades. Controlou sua fúria e saiu resmungando.
- Ela está me subestimando. Essa bruxa desgraçada vai ver! Saiu batendo forte a porta atrás de si.

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