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sábado, 12 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 3. Sentimentos

Já sentia isso há um bom tempo. O encanto começou desde que ouviu a história pela primeira vez. Uma princesa presa numa torre logo ali fora da cidade. Não poderia querer nenhuma outra jovem depois de ouvir sobre a beleza e as virtudes de Marie. Tinha 12 anos de idade quando ouviu os soldados de seu pai informando que uma bruxa havia se mudado recentemente na torre abandonada e uma criança fora vista também no local.
O rei preferiu praticar a política da boa vizinhança e ignorar aquela presença incômoda ali, não mexer a menos que a bruxa atacasse. E os rumores chegaram ao palácio, com eles a história da pequena garotinha presa na torre. Logo a lenda se espalhou. Como uma atração turística, pessoas dos arredores vinham ver a pequena Marie, que de vez enquando saía na janela, não entendendo porque de tanta gente olhá-la. Protestos e manifestações eram feitas a pedido de que libertassem a menina, mas o feitiço era claro: somente um príncipe apaixonado poderia matar a bruxa e libertá-la da torre.
E o tempo passou. O assunto perdeu a graça para assuntos mais atuais como a chegada de um pirata aposentado na cidade, com suas histórias mirabolantes do mar; a primeira máquina de churros feita por Dona Maria – aquela que, quando criança, foi roubada junto com seu irmão, João, por uma bruxa - a maior doceira da região. A chegada de Branca de Neve ao reino também movimentou a cidade. E a história da pequena princesa Marie deixou de ser assunto no reino. Mas Henrique não se esquecia e pensava ser um dia o homem que salvaria a virtuosa princesa Marie.
Enquanto treinava com espadas, imaginava-se enfrentando a terrível bruxa, que despertaria um exército de zumbis para enfrentá-lo. E daí, então, seria o príncipe mais corajoso da região. Do mundo, quem sabe! Poderia ter seu nome acima do príncipe de Branca de Neve, Rapunzel, Cinderela.
E o tempo passou. Os príncipes tinham a dádiva de se tornarem os mais bonitos de seus reinos – pelo menos para as mulheres conterrâneas. Loiro, de olhos verdes e maliciosos, alto e musculoso. Ao jogar seus cabelos com as mãos, as garotas suspiravam. Isso dava a ele ainda mais confiança para jogar charme através de todos os movimentos de seu corpo. No auge dos seus 16 anos foi de muita serventia.
Aos 18 anos seu pai começou a apresentar princesas de outros reinos, com o propósito de casamento. Isso o fez pensar se já não estava na hora de libertar sua amada daquela torre. Realmente imaginar Marie o enchia de contentamento e o fazia sentir forte para enfrentar qualquer perigo por ela. Marie não seria como as outras do reino. Não seria fácil, seria um desafio e isso o motivava. Por outro lado, enfrentar uma poderosa bruxa o tomava de temor, e pensava se poderia sair desse desafio transformado em um sapo. Mas havia outro porém: o casamento. Sim, queria Marie com todas as suas forças. Queria vê-la, tocá-la, conversar com ela, mas o casamento o assustava e preferia resgatá-la apenas quando tivesse a certeza de que queria um compromisso sério com alguém. Mas com certeza esse alguém seria ela. Por isso, guardas vigiavam sorrateiramente a estrada para caso algum outro homem se atreva a chegar antes dele naquela torre. Contudo, nunca houve um caso de tanta resistência. Curiosos iam e vinham, mas nada acontecia.
E depois disso passaram-se mais três anos. O príncipe decidiu que resgataria a princesa naquele ano. Essa era uma promessa de todos os anos. Contudo, esse ano era especial: o aparecimento de uma suposta bruxa o faria treinar para finalmente enfrentar Brianna e libertar Marie da escravidão. Se destruísse Manda, saberia como acabar com Brianna.
- Há a possibilidade real dela não ser uma bruxa, senhor.
- Ela é uma bruxa, Walfredo. É uma maldita bruxa.
- Vamos examinar com cuidado as evidências. Achou alguma poção mágica, algo além daquele livro?
- Não. Revirei tudo, nenhuma poção. Só encontrei aquilo.
- E era uma sopa de beterraba.
- Sim, sim. Sopa de beterraba. Mas se ela não é uma bruxa, por que não diz para mim que não é?
- Talvez não confie que o senhor a possa defender.
Henrique o tomou pelo colarinho e o ergueu com raiva.
- Nunca mais repita isso, ouviu? Nunca mais! – o soltou com rispidez. – Eu sempre posso defender uma dama em apuros, nem que tenha que lutar contra todo reino.
- Sim, sim. Perdão, senhor.
- Mas há uma coisa que me intriga nela. Por que não reconheceu meu posto? Todas as mulheres no reino me reverenciam. Ou o reino de onde ela veio há príncipes mais bonitos do que eu? Será que no reino de Marie há príncipes mais bonitos? E se ela me achar feio?
- Acredito que não, senhor. – queria dar risada, mas era necessário conter-se.
Henrique se olhava no espelho e fazia poses.
- Por que essa mulher não é como as outras? De onde ela veio? O que pretende fazer aqui? Maldita bruxa, por que me enfrenta?
- Essa é a função das bruxas, senhor.
- E eu vou dar a ela a lição que merece. Já que não quis sair da cidade, vou matá-la da mesma forma que matarei Brianna.
- Certamente, senhor.

Naquele dia Henrique não estava com nenhum pouco de sono. A preocupação com os assuntos do reino o consumia e o pensamento em Marie também o incomodava. Resolveu sair para cavalgar. Era o que fazia quando noites como essas o incomodavam.
A lua estava cheia e o céu estrelado. O cavalo andava lentamente enquanto Henrique pensava na vida, observando o céu e a pastagem iluminada. De repente ouviu ruídos e luzes vindos da floresta. Deduziu que não provinha de animais; parecia uma música.
Instigado de curiosidade, foi movido ao local de onde vinha aquele barulho e luzes. Surpreendeu-se ao ver uma fogueira e velas perfumadas posicionadas em forma de círculo, e logo ali, Manda tocando uma flauta com habilidade.
Ela continuava a tocar e dançava ao redor da fogueira. A melodia, o fogo e o cheiro amadeirado o inebriavam. Ela usava um vestido preto com um véu branco caído sobre os ombros. Seus cabelos compridos e negros dançavam com a música e seu olhar o chamava para cada vez mais perto. E ele ia sem pestanejar, vendo os movimentos de sua dança, em que se viam as suas pernas ao balançar de seu vestido.
Manda parou de tocar a flauta, mas o som da canção ecoava em seus ouvidos ainda. Ela se aproximou de Henrique e com uma das mãos tocou em seu peito e olhou em seus olhos com sensualidade.
- Estava te esperando.
- Me esperando?
- Sim. Estava te chamando. Chamando seu coração com essa música.
- Estou aqui. – e a colocou uma das mãos em sua cintura. Seus lábios vermelhos se destacavam em todo rosto.
Uma das mãos dela pousou sobre seu rosto e acariciava-o. Os olhos não se desviavam dele.
- Eu sou sua, Henrique. – e o beijou deliciosamente nos lábios.
Acordou de súbito, pingando de suor e contagiado de adrenalina. Ao ver o teto de seu quarto e não as copas das árvores das florestas, constatou que tudo não se passava de um sonho.
- Maldito sonho! – jogou uma almofada longe. E se jogou na cama outra vez, com raiva de si mesmo. 

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