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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 5. A Torre

Manda estava a postos, em cima de uma árvore. Tinha uma boa mira do porteiro da torre, no lugar em que estava. Com uma flecha envenenada certeira, de uma só vez caiu no chão.
Henrique logo depois passou pelo portão sorrateiramente. A carruagem real chegou. Manda desceu da árvore e logo falou com o cocheiro.
- Tudo pronto? O ouro está?
- Sim, chefe. Tudo feito.
- Perfeito.
O príncipe olhou uma última vez para Manda, que já se encaminhando para o portão. O sorriso dela para ele lhe deu um novo vigor para entrar na torre. Era como um sinal de paz, pelo que acontecera ontem. Entrou.
Estava tudo revirado, fora do lugar. Muitos livros em estantes enormes. Uma parte desses livros estava no chão, nas mesas. As poções ficavam numa outra estante. Algumas delas estavam em cima das mesas, abertas. O lugar parecia abandonado, mas mesmo assim era necessário cuidado, pois a bruxa poderia estar em todo lugar. O silêncio foi cortado pelo coaxar de um sapo. Ao olhar de onde vinha o barulho, viu no chão um vestido velho, de cor preta. Alguma coisa estava estranha ali. Correu para a escada, teve medo de ter chegado tarde. E chegou.
O andar de cima estava vazio. Era lá que provavelmente ficava a princesa. Uma cama humilde, com coxa florida e bonecas de pano. Em cima uma carta. Ele cuidadosamente a pegou e leu.

Sentou-se. Estava pasmo, triste, com raiva de si mesmo. Estava cansada de esperá-lo, por isso foi embora. O quanto teria sofrido nas mãos da bruxa para poder tomar essa decisão? Como ela conseguiu sair da torre? Para onde teria ido? Não sabia o que fazer. Levantou-se e tentou achar qualquer evidência de seu paradeiro. Estava desnorteado.
- Ela deve ter escrito em algum lugar, deixado alguma pista em algum lugar de onde ela está agora.
Procurou na cômoda de roupas. Na primeira gaveta, após revirar vários corpetes e roupas de baixo achou um pequeno caderno. Abriu em alguma parte aleatória e descobriu que era seu diário.

Hoje está chovendo e trovejando. Eu estou com medo. Eu quero chamar meu papai e a minha mamãe. Meu papai e minha mamãe não estão aqui. Eu estou sozinha. A bruxa está lá embaixo.”

A letra parecia bem rústica e a escrita simples. Talvez tivesse feito logo que veio para torre. Folheiou mais uma vez.

Me falaram que um dia um homem iria me libertar da torre. Mas por que todos eles passam e vão embora”.

Folheou de novo. Dessa vez se sentou.

Meus planos estão dando certo. Pelas minhas contas hoje estou fazendo 17 anos e como presente aprendi fazer transformações. O porteiro capturou qualquer que passava e o trouxe a torre. A bruxa me ensinou e eu o transformei num sapo. Estou tentando sair daqui, então era ou a vida dele, ou a minha. Não tive escolha. Brianna acha mesmo que quero ser uma bruxa e está me criando como uma filha. Daquele jeito dela.”

Brianna está orgulhosa dos meus avanços. Mal sabe ela que não estou fazendo isso para agradá-la. Mas acho que seus cuidados não são de mães. Parece que está tentando me seduzir, pois tem me tocado demais. Mais uma arma contra ela.”

Plano:
- Seduzir Brianna.
- Colocar pó do sono no vinho.
- Quebrar sua varinha mágica (precaução)
- Transformá-la num sapo.
- preparar poção de invisibilidade.
- sair sem que o porteiro perceba, com o que puder carregar.

Não, não vou matá-la. Pelo menos devo todas essas lições de magia a ela. “Até que ela consiga desfazer o encanto, estarei longe.”

Aquela foi a última pagina do diário. Pelo visto deu certo o plano e ela não havia voltado para contar o resto. Ou não havia dado certo e ela não tivera a chance de viver para terminar a história da sua vida? Estava preocupado. Deveria tê-la salvado antes. Talvez antes que ela descobrisse tanta malícia. Abriu em alguma página no começo do diário, pois não acreditava que aquela menininha com medo do trovão, pudesse ser a mesma que seduziria uma bruxa, para transformá-la em sapo.

A bruxa disse que eu não chamo Marie. Meu nome é Deus do Oculto. Manda.”

O diário caiu no chão. Não precisava ler mais nada. O plano da princesa havia dado certo. E ela ali, bem do meu lado e eu não a percebi. Por que não me contou a verdade? Queria que eu a descobrisse por mim mesmo. Sempre esteve tão perto! E mentiu para mim dizendo que vinha de não sei aonde, sobre povoado destruído por igrejas e coisas do tipo. Estamos quites, pois eu não a salvei e ela mentiu para mim.
A noite anterior voltou à memória.
- É de mim que ela gosta. E eu tão confuso, pensando se poderia salvar Marie, tendo um sentimento por Manda, e elas são a mesma pessoa.
Desceu correndo aquelas escadas com tanta coisa na cabeça. Ela é uma princesa, eu posso me casar com ela. Nossa, é uma mulher tão encantadora, apesar de turrona e cheia de engenhos. E é linda, a mais linda dessa região, com toda certeza. Marie, princesa Marie...
Passou pela sala de Brianna correndo, trombando em tudo, sem ver nada. O sapo pulou a sua frente e o assustou.
- Sai pra lá, Brianna!
Saiu da torre.
- Manda! Manda!
Não havia ninguém em frente à torre. A carruagem também não estava lá. Correu e foi para estrada. O porteiro estava estirado no chão, com uma flecha em sua perna.
- O que aconteceu?
- A bruxa! Foi a bruxa Manda. Ela fugiu com a carruagem cheia de ouro.
Com muito ouro. Não foi difícil encontrar o cofre do palácio e dopar os guardas a noite. Talvez o mais difícil fosse encontrar um comparsa que acreditasse de verdade que ela iria dividir o ouro com ele e ainda por cima ganharia seu amor. O cocheiro real serviu para essa função. Se afastando cada vez mais de Arenosa, seguiu para algum lugar desconhecido, onde talvez esquecesse bruxas, torres e príncipes, sendo esse último o que mais gostaria de ter esquecido.
O príncipe olhou o fim da estrada, mais nada além do céu poderia se ver. Estava sozinho.

E viveram felizes para sempre.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 4. Incertezas (cont.4)

Uma semana se passou depois desses acontecimentos. Amanhã seria o dia em que salvariam a princesa Marie. Era um tempo de apreensão para todo o reino. Preparavam festa para Marie, que seria recebida num cortejo na rua principal da cidade ao som de música e dos aplausos de toda a população. E enquanto isso, o palácio a aguardava com um lindo baile. E naquela noite, Henrique não conseguia dormir. Estava na sacada real, vendo as estrelas e pensando em tudo. Como seria Marie? E como seria enfrentar a bruxa Brianna? Daria conta dessa missão ou seria transformado em algum animal asqueroso? E se não gostasse de Marie? Sim, ela é aquela mulher virtuosa de que todos falam. Mas e se nada vier ao coração e não sentir que a ama? Mesmo assim tenho que passar minha vida inteira ao lado dela só porque a salvei?
- Não consegue dormir?
Ele se assustou, mas logo reconheceu a voz.
- Não. Pelo visto você também não.
- Isso acontece de vez enquando. Preparado para amanhã? É o seu grande dia.
- Na verdade não.
- Não?! Nossa, podemos repassar a estratégia então! É...
- Não, não é isso.
- O que é?
- Você já amou alguma vez?
Essa pergunta a incomodou. Tirou os olhos dele por um instante, e olhou as estrelas. Um pouco sem graça, respondeu com outra pergunta.
- Mas que pergunta agora, por quê? O que interessa se eu já amei?
- Eu não sei o que eu sinto de verdade. Passei a vida inteira sonhando em libertar essa mulher e dizendo que a amo, e hoje eu não sei dizer se o que eu sinto é amor de verdade.
- Estamos no mesmo barco.
- Estamos? O que tem a me contar?
- Não tenho nada a te contar.
- Por quem está apaixonada?
- Eu? Apaixonada?! Sou uma bruxa, esqueceu?
- Uma aprendiz de bruxa.
- É pelo Carlos? Falei para não se envolver com ele. Olha essas coisas no que dão.
- Que Carlos? Acha! Não! Nem o conheço. Ele é arrogante, cheio de si. Todos os príncipes na verdade são, mas ele...
- Todos os príncipes são arrogantes? Não acha que está generalizando?
- Da mesma maneira que todas as bruxas são más.
- Você ganhou. – e riram.
- Você é uma pessoa maravilhosa, Manda. Queria que soubesse disso antes de amanhecer.
Ela ficou encabulada e não soube o que dizer.
- Sabe quando você tem um plano completo de vida e simplesmente alguém chega e ao mesmo tempo em que ajuda, desfaz tudo? Isso porque essa pessoa chega iluminando tudo e te mostrando que o seu plano pode estar errado. E eu já não tenho certeza do que quero fazer.
- Não precisa saber...
Eles se olharam sob a luz das estrelas no céu. A vontade de Henrique era de beijá-la. Parecia que suas duvidas estavam sanadas, como se o que tivesse dito a ele revelasse o seu interior. Aproximou-se dela, mas algo o impeliu. Como assumiria um casamento com uma bruxa, e a desistência de um plano de ação de salvar uma princesa, assim do dia para noite? E se ele se arrependesse dessa decisão que estava tomando agora? Ela não disse sentir o mesmo. E se de fato não sentisse? Mais dúvidas estavam no ar.
- Desculpe, Manda. Desculpe.
Saiu atordoado de perto dela e foi seguindo para seu quarto.
- Príncipe!
Ele virou-se para ela.
- Seguimos o plano amanhã?
Não respondeu de imediato. Na verdade não queria responder agora aquela pergunta. Engoliu a seco, e disse o que era preciso.
- Sim, seguiremos o plano. Até amanhã.
- Até amanhã.
Voltou a olhar a noite no céu limpo e estrelado. Estava sozinha.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 4. Incertezas (cont.3)

No quarto, Manda pensava em tudo que estava acontecendo nesses últimos dias. Pensava na estratégia que haviam criado para salvar Marie da torre. Tudo já estava pronto. Ela teria a função de atirar uma flecha certeira no porteiro, vigiar e dar cobertura, enquanto ele, sorrateiramente entraria na torre e acabaria com a bruxa, tomaria a princesa e a levaria na sua carruagem para serem felizes para sempre. Fazer esse plano gerou muita discussão na mesa de reuniões, pois ela discordava da decisão dele de levar guardas.
- Se fosse para você salvar a princesa com ajuda de guardas, poderia ter feito há anos atrás e não precisaria da minha ajuda para ensinar sobre bruxas.
- Então eu deixarei os guardas lá fora e entro...
- Esqueça os guardas, Henrique!
- Só quero ser cauteloso.
- Não entende a magia? Rapunzel foi salva com ajuda de guardas? Fiona foi salva por ajuda de guardas?
- Mas ele era um ogro!
- Pois bem, salve com a ajuda da sua guarda e a magia não funcionará. Não ganhará o coração dela...
- Vou ganhando com o tempo.
-... E será conhecido como príncipe Henrique, o covarde. Não terá as glórias de ser o salvador de Marie, a bela princesa, pois a fama será dada aos guardas que o ajudaram.
- Então, sem guardas.
Aparentemente resolvido. Contudo, o capitão da guarda interferiu achando que ela estava ditando muito as coisas na operação e que achava importante a participação dos oficiais. E agora a noite ela relembrava as acusações do capitão e ria da discussão que antes a deixou tão nervosa, pois não deu em nada. No fim, ficou resolvido não envolverem os guardas na missão, por conselho do rei, que só deixou Manda se envolver no dia da missão por muita insistência de Henrique. Era tudo uma bobagem para ela. Onde já se viu um príncipe envolver tanta gente para salvar uma princesa? Isso a fez pensar no que Henrique pensava da princesa. Com certeza a colocava num pedestal, onde nenhum outro mortal estaria. Imaginava que sua beleza cativava qualquer homem que a visse e que ela era dona das mais preciosas virtudes das mulheres. Mas e se ela não fosse assim? Fosse uma mulher comum, com todos os defeitos de uma jovem qualquer? Manda se olhou no espelho. Estava pronta para dormir. Colocou a mão em seu rosto e deslizou até seus cabelos longos.
Um toque na porta a surpreendeu. Não estava esperando nada há essa hora. Abriu. Era Henrique.
- Me deixe entrar antes que alguém me veja.
Ela o deixou passar e fechou a porta. Henrique trazia na mão uma lamparina e um vestido de festa.
- Hoje a noite, no reino vizinho terá uma festa da nobreza. Meu pai está indisposto, não poderá ir, mas quero que você vá comigo.
- Eu? E o que vou fazer lá?
- Festas de nobres são muito chatas. Quero que você vá comigo, assim tenho uma pessoa agradável para conversar.
- Agora sou agradável? Me dê esse vestido.
Olhou-o pelo espelho. Teria que usar espartilho e achava isso uma lástima.
- Tenho que usar espartilho. Não uso isso há séculos!
- Pelo menos já usou alguma vez. Vamos, coloque o vestido, porque já mandei preparar a carruagem para nós.
Ela não queria ir, mas não tinha nada que tirasse a insistência de Henrique pra que Manda fosse. Ela foi mesmo contrariada. O vestido havia lhe caído certinho e a transformado numa nobre e quiçá uma princesa, de forma que o príncipe não parava de olhar para ela, admirando sua beleza, o que fez Manda ficar mais sem graça e com menos vontade ainda de ir à festa. Fez um penteado simples, com todo o tempo que a pressa poderia proporcionar e foram para a festa. No caminho a maior reclamação era o espartilho. Ela perguntava-se porque não relutou ainda mais em ir, já que previa que essa festa não seria das melhores.
Chegaram ao destino. O lugar estava lotando. Homens e mulheres todos mostrando seus status nas roupas e nos tratos.
- Oh, príncipe Henrique, seja bem vindo! Quem é essa dama encantadora que trás?
- Sou...
- Ela é a condessa de Moniére. Veio de Veneza visitar com seus pais o nosso humilde reino de Arenosa.
- Encantado, condessa! – e beijou sua mão, colocando seus olhos cor de mel nos olhos dela. – Príncipe Carlos, desse humilde reino de Sólis, ao seu imenso dispor.
Ela o reverenciou, sem nada dizer, apenas retribuindo o mesmo olhar. O príncipe se retirou, com toda educação.
- Não gosto dele. Nunca vi mais trambiqueiro. Não sabe dizer a verdade e corre atrás de todas as mulheres que vê.
- Eu o achei adorável. E ainda com todas essas virtudes...
- Olha, tente se comportar aqui, afinal não estamos numa taverna. Você é a condessa de Moniére de Veneza. Fala nossa língua porque foi criada em três idiomas diferentes.
- Oui, je vais boire un verre.
Ela saiu para se servir de vinho, enquanto Henrique a olhava intrigado, por saber além de bruxaria, falar francês. Nesse espaço de tempo, foi abordado por alguém que não queria.
- Príncipe Henrique!
- Priscila de Cantuann!
- Há quanto tempo não o vejo!
- Sim, é verdade.
Era filha Condessa de Cantuann: apaixonada por ele desde quando se deu por gente. Uma loira vistosa a vista, virtuosa, mas com o defeito do ciúme excessivo, algo que não era bem visto pelos homens. Nisso já completara quase trinta anos e ainda não estava casada. Mas esperava pacientemente que um dia o príncipe de Arenosa a pedisse, mas ele mal queria vê-la.
Enquanto isso, Manda observava a festa, tomando um gole de vinho, às risadas, observando o aspecto de Henrique ao lado de Priscila de Cantuann.
- Se divertindo na festa?
Era o príncipe Carlos, um moreno com o rosto de um galanteador.
- Oui, me divertindo muito.
- Quer dançar? Garanto que se divertirá ainda mais.
- Oh, pourquoi pas?
Deu a mão a Carlos e entraram na dança medieval. Manda sorria, relembrando de algo que já havia acontecido com ela alguma vez. Era tudo nostálgico da sua terra distante. E nesses sorrisos trocava olhares com o príncipe que lhe sorria com afeto. A dança os envolvia, enquanto todos ao mesmo passo dançavam conforme a melodia. Henrique parou tudo que estava fazendo, a conversa que tinha agora com nobres de Sólis, e ficou admirando aquela cena, aquela troca de olhares, aqueles toques leves que Carlos o dava em sua cintura quando passavam perto e como ela o retribuía dizendo coisas rápidas perto de seu ouvido. E ele o mesmo. Aquilo o incendiava com uma raiva e ao mesmo tempo uma tristeza de forma que nunca o havia sentido antes. A conversa em que estava prosseguia e ele nem sabia quando havia parado de prestar atenção, mas só conseguia olhar ali e escutar aquela música alegre que para ele se tornava funesta. Pediu licença para os amigos na roda e foi para a sacada do palácio.
Por que estava sentindo-se triste? Vai ver era de ver uma moça encantada por alguém que não a merecia. Estava querendo enganar quem? Ela é uma bruxa, talvez seja ela que não o mereça, afinal é um príncipe. Sim, ela é uma bruxa, não é uma moça, talvez nem virgem seja mais. Não, não é mais donzela de forma alguma, pelas roupas, pelo despudor. Ela ficou seminua para mim na primeira vez que nos vimos. Ele não sabe a confusão em que está entrando. Mas ela se confunde com uma mulher de bem, pois está me ajudando, sem ter cometido todos aqueles crimes de que falaram. Mas será mesmo que não cometeu? Bruxas são ardilosas, cheias de armadilhas, não merecem nosso apresso. Mesmo que nos ajudem? Ah, por que estou triste? Por que estou com raiva? O que ela tinha que dançar justamente com Carlos, ele não presta... Henrique ouviu a voz de Manda se aproximando.
- Ah, príncipe Carlos, é um excelente dançarino.
- Oh, é pela companhia que a dança enche de graça.
- Como é galante, majestade! Un gentilhomme!
- Obrigado! Quer que te pegue uma bebida, senhorita?
- Aceito, grâce!
Carlos saiu. Manda viu Henrique, que disfarçou e fingiu não tê-la visto. Ela se aproximou dele.
- Bonne nuit!
- De onde aprendeu o francês?
- Tenho parentes lá. Morei quando era criança.
- Tem muitos lados seus que não conheço.
- Todos nós temos lados aos quais ninguém conhece inclusive você, não é?
- Sim, todos nós temos. Dançou bastante?
- Muito! A festa não está tão chata como disse.
- Com o principezinho do seu lado, não é?
- Sim, o príncipe dança muito bem, e também é muito bonito e educado.
- Eu não falei que não gostava dele? Qual parte disso você não entendeu?
- E o fato de você não gostar dele, eu não posso gostar?
- Não pode. Conheceu ele agora, eu o conheço desde criança, sei o que ele faz com as mulheres.
- Se não entendeu ainda, eu sei me cuidar sozinha! Você quer sair comigo, mas não quer arcar com a conseqüência de andar com uma aprendiz de bruxa e me disfarça de condessa e depois se diz preocupado comigo?
- Não é isso. É pra sua proteção.
- A proteção da sua imagem como príncipe. Se não me dá valor, não tem direito algum de ter ciúmes. 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 4. Incertezas (cont.2)

Após mais uma aula de Manda, andavam no campo, conversando e tirando dúvidas sobre a prática da bruxaria. O céu estava nublado, o sol encoberto e um vento suave parava sobre a campina e todo o reino. Poderia ser que uma chuva caísse ao final da tarde, mas não era certeza. Os dois andavam ali, a companhia dos guardas, entretidos numa conversa no qual quem visse ao longe teria certeza que se tratavam de dois bons amigos.
- Eu não sou bruxa, Henrique. Na verdade sou aprendiz. Vim do reino de Hugson. Minha mentora, assim como várias bruxas foram mortas em um ataque. O reino não está em boas condições, católicos e protestantes estão em guerra na região e nisso atribuem culpas às bruxas pelo azar da guerra. O que temos a ver em tudo isso?
- As bruxas são causadoras de males. Onde elas estão destroem o que há a sua volta.
- Sim, pode ser que seja a função das bruxas, mas os humanos devem aprender a assumir os próprios erros. Vi muita gente inocente morrer ali. Os elfos foram dizimados.
- Nunca vi pessoas tão boas como os elfos.
- Lá não eram bem vindos. Muitos fugiram, eu também fugi e pretendo não voltar mais para lá.
- Mas agora que tudo isso passou você pode escolher não ser mais bruxa.
- Era o que eu estava tentando fazer aqui. Mas não tem jeito, por onde for essa marca vai continuar.
- Então aquelas acusações contra você não são verdadeiras?
- Não.
- E por que não disse isso antes?
- Vi mulheres inocentes, que nunca nem havia imaginado praticar bruxaria, serem mortas por prepararem um chá aos seus filhos. Quem já viu tantas barbaridades consegue confiar na justiça?
- Agora te entendo.
- Ser estrangeira, ter hábitos diferentes e manejar magia já é maldade. A diferença já é maldade aos olhos dos iguais.
Henrique não tinha o que dizer. De certa forma estava impressionado. Se ela mentia, o fazia com convicção, pois realmente estava acreditando que não cometera aqueles crimes. Sentiu-se culpado por mantê-la ali presa, mas por outro lado, precisava desse favor e até estava gostando de sua companhia. Depois de um tempo e silencio, por não saber o que dizer nessa situação, finalmente Henrique cortou a pausa:
- Chás chineses são muito bons!

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 4. Incertezas (cont.)

- Bruxas não criam nada. Elas transformam a partir de outros elementos, por isso, o importante é ser rápido o bastante para não deixar tempo para que ela aja.
- Mas aquela varinha não pode transformar uma pessoa no que ela quiser?
- Nem todas as bruxas têm varinhas. Para transformar os elementos, como eu disse, precisa de outro elemento e também energia. Essa energia vai se tornando maior com os anos de prática das bruxas. Se a energia da bruxa não for alta, não tem o porquê de ela criar uma varinha.
- Mas como ocorre essa transformação?
- As transformações usam energia da feiticeira e a matéria da madeira que são passadas para o corpo da pessoa a partir da ordem da bruxa. Não pense que é uma madeira comum. Existe toda uma preparação para se fazer uma varinha. Talvez possa ser que Brianna não tenha uma varinha mágica, mas com todos os anos de experiência que Brianna tem, é bem capaz que já tenha criado a sua.
- E como posso lutar contra magia.
- Magia só se luta com magia. E como você não tem esse dom, terá que usar a rapidez e quebrar a varinha mágica dela. Uma vez quebrada, não terá elemento para passar energia. Agora quero ver se é rápido o bastante com as espadas.
- Não deveria ter dúvidas disso. Senhor Daniel, lute comigo.
Daniel, um dos dez guardas que estavam a postos no campo aberto em que treinavam já se preparava para a luta.
- Não. Você não vai lutar com ele. Vai lutar comigo. Pode me dar essa espada, senhor Daniel.
Daniel olhou para Henrique, esperando ordens. O príncipe hesitou um pouco, mas depois confirmou:
- Dê a espada para ela. – e dirigindo-se a Manda – Não sabia que bruxas também lutavam com espadas.
- A maioria não luta, mas eu sou diferente.
Começaram a luta. Manda mostrou uma boa habilidade com a espada. Faltava-lhe força, mas a sua agilidade confundia Henrique. Ele, no entanto, mostrava experiência e ataques treinados, enquanto ela mostrava ser nova no ramo das espadas, mas não menos preparada. Quando Henrique se mostrava vencedor, Manda saía de seus ataques com esperteza e criatividade, mas não conseguia ataques efetivos em Henrique. Ele mostrava estar se divertindo com a luta e pensava nunca ter visto uma mulher como essa, com habilidade nas espadas.
- Está cansada, Lady? Seu ramo são os feitiços, admita.
- Como esse?
A espada de Manda começou a brilhar, e não era o reflexo do sol, pois era um brilho vermelho. Henrique, assustado, se afastou, e desconcentrou-se ao olhar para magia, sendo o golpe fatal para Manda. Ela apontou a espada ao lado de seu pescoço.
- Xeque mate, sir. Uma lição é nunca se desconcentrar com uma magia. Bruxas fazem muito isso.
Henrique, num movimento rápido, abaixou sua cabeça, desviou-se e passou uma rasteira em Manda. Ela soltou sua espada e ao mesmo tempo, ele tomou sua mão para que não caísse. Sentiu algo estranho percorrer pelo seu corpo, como um rio passando por dentro de si. Soltou-se dela na mesma hora, deixando-a cair no chão e ficou olhando seus dedos, admirando o que poderia ter acontecido de diferente.
- Ai! Pelo visto você ganhou. – disse a garota, já no chão. Ergueu-se e viu o rosto intrigado de Henrique.
- O que você sentiu foi magia passando por seu corpo. Você estava com a minha energia.
- Eu poderia ordenar alguma magia com a sua energia?
- Sim, enquanto estivéssemos conectados e eu estivesse liberando magia. Caso você não faça isso, você pode ser o elemento da transformação.
Ele sentiu um frio percorrer-lhe a espinha ao ouvir essas ultimas palavras. Poderia não ser tão fácil, mesmo com a ajuda de Manda, resgatar a princesa Marie. Ela se levantou, foi até Henrique, colocou as mãos em seus ombros fazendo massagem.
- Não se preocupe, não é tão difícil quanto parece. Vamos, temos mais lições pela frente. – e estendeu a mão para que levantasse.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 4. Incertezas

- Dê essa água ao seu filho o dia todo e vai ver como ele ficará melhor. Vai cortar o vômito e a diarréia!
- Oh! Muito obrigada, Manda! Não agüento mais vê-lo daquele jeito. Aceite isso. – era um bolsinho com ouro.
- Não, não vou aceitar. Ganho dinheiro de outra forma, fique tranqüila.
Despediu-se e fechou a porta, com um sorriso no rosto. Desceu as escadas e foi pela rua, rumo a sua casa. Cumprimentou um e outro, até ser abordada por uma de suas vizinhas.
- Oi, dona Judite! Onde estava?
- Fui no poço buscar água.
- Água? Como não te vi? Acabei de voltar de lá!
- É que fiz algumas outras coisas depois.
- Oh, sim! Já ficou sabendo?
- Do que?
- Aquela bruxa fez um feitiço para o Sr. Ramos e a plantação dele está morrendo.
- Não diga!
- Digo sim, anteontem ela foi vista lá na casa dele. E hoje um empregado da casa disse que as plantações de arroz estão murchinhas!
- Não seria pelo calor? Era tempo de chuva e não está chovendo.
- Vai ver ela está fazendo isso com o tempo. Quem sabe não é por ela que não está chovendo em Arenosa?
- Vai saber... Boa tarde, dona Márcia.
Entrou correndo em sua casa. Não poderia defender a bruxa. A água encantada da bruxa era o único remédio que poderia curar seu filho agora, por isso teria que correr esse risco. Mas o que seria de sua família se contar aos outros que foi ajudada por Manda? Arriscaria a reputação de sua família, por isso era melhor manter o segredo e ajudar sua culpa simplesmente não opinando sobre a integridade dela. E ela não tinha tanta integridade assim, por isso, um pouco de caridade não faria mal a ninguém. Culpou-se por pensar assim. Apenas despejou um pouco da água no copo e foi para o quarto, dá-lo ao filho.


Henrique já não podia ouvir falar em Manda. Tantas queixas de várias partes do reino. Não acreditava em metade, mas uma boa parte tinha a ver com o feitio de Manda. Era preciso tomar uma providência. Assim como ela chegou ao reino, era necessário que fosse embora, ou então a paz do lugar estaria ameaçada. Enviou guardas para prendê-la. Já eram denuncias demais, se não fizesse nada, se passaria por covarde.
Por esse motivo a levaram presa. Quando os guardas entraram na casa, Manda já sabendo o que estava acontecendo, não tentou resistir. Foi levada ao calabouço do palácio. No caminho, os cidadãos faziam festa pela sua prisão. No castelo, o príncipe e o rei aguardavam sua chegada.
Foi levada até a sala do trono. Parecia tranqüila, mas era ríspida quando algum guarda apertava demais seu braço. Ao entrar, logo viu o rei em seu trono e ao seu lado o príncipe. O rei olhava com desdém, enquanto o príncipe se revolveu no trono, mostrando um controlado nervosismo.
- Guardas, soltem a prisioneira. – ordenou o rei.
Eles a soltaram.
- Pois bem. Sabe por que a trouxeram aqui, não é?
- Não, não sei.
- Pois saberá. É acusada de bruxaria aqui em meu reino. E com toda a certeza aqui em Arenosa as bruxas não ficam impunes.
- E o que o faz achar que pratico bruxaria?
- Conhece esse livro?
Um dos guardas mostrou um livro volumoso, velho, de capa dura. Manda não respondeu nada.
- Foi encontrado na sua casa, junto aos seus pertences. Pelo que consta, é um livro das Bruxas de Salém, em que existem apenas sete cópias com as piores feiticeiras de todo mundo.
- Anda bem informado, oh rei. Sim, é uma das cópias do livro das Bruxas de Salém. Isso já me condena como bruxa?
- Não só isso, mas todas as denúncias de desordem que estão apontando a senhorita como autora. O que tem a dizer sobre isso?
- A minha única culpa foi pisar nesse reino de pessoas ingratas ao meu redor.
O rei, ao ouvir essas palavras se encheu de cólera e viu que não conseguiria arrancar confissão com uma conversa amigável.
- Guardas, levem essa mulher daqui.
Eles a tomaram pelo braço e a levaram para o calabouço. Antes de sair da sala, olhou para Henrique, o chamando pelos olhos.
Foi trancafiada naquela cela. Pensava em como escapar dali e se caso não escapasse, a fogueira seria sua morte certa. Já havia acontecido em outros reinos e naquele poderia não ser diferente. Enquanto pensava ouvia passos se aproximando. Era o príncipe.
- Falei para você que deveria ir embora.
- Por quê? Por que tenho um livro de bruxaria?
- Vai dizer que não cometeu nenhum dos crimes que é acusada?
- Você acreditaria em mim se falasse que não?
- Não acreditaria. Se não fosse bruxa, falaria naquela hora para o meu pai. Você é uma bruxa, uma maldita bruxa e eu verei você fritando na fogueira, como merece.
- Pois bem, assista ao espetáculo de camarote. Quem sabe isso não te dê coragem para resgatar aquela dondoquinha na torre!
- Henrique se enfureceu. De posse da chave, abriu rapidamente a tranca, entrou na cela, trancou. Com força prensou Manda contra parede.
- Lave a sua boca ao falar da princesa Marie.
Manda deu risada.
- Você tem medo da Bruxa Brianna, por isso nunca foi buscá-la. É um covarde. – disse isso olhando firmemente em seus olhos.
- Você vai aprender a dar a autoridade devida a um príncipe. – ameaçou apertar seu pescoço.
- E se eu quiser te ajudar?
- Ajudar? Não preciso da sua ajuda.
- Posso te mostrar os pontos fracos de Brianna. Você então resgata a princesa e eu ganho minha liberdade e saio desse reino.
- Sou um príncipe. É minha função destruir feiticeiras e quebrar feitiços. Não preciso da sua ajuda. Vejo você na fogueira, bruxa.
Saiu da cela transtornado. Manda continuou na mesma posição olhando Henrique sair. Estava frustrada.
Era madrugada. Manda não conseguia efetivamente dormir. Aquele lugar era horrível e não havia nem cama ou algo que pudesse dormir. Pelo demasiado cansaço cochilava no chão, mas o frio não a deixava ficar ali por muito tempo. Acordou de seu cochilo por um barulho.
- Eu aceito seu acordo.
- Henrique?
- É a sua oportunidade de fazer algo útil na vida. E também, se não cumprir o trato, mando você de volta a sentença de morte. Venha.
Levantou-se rapidamente.
- Fez uma boa escolha, não vai se arrepender. Eu sou sua, Henrique.
Essa fala fez com que ele se lembrasse do seu sonho na hora. Ruborizou-se, tirou os olhos dela.
- Vamos embora daqui. Você vai dormir no quarto de hóspedes.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 3. Sentimentos

Já sentia isso há um bom tempo. O encanto começou desde que ouviu a história pela primeira vez. Uma princesa presa numa torre logo ali fora da cidade. Não poderia querer nenhuma outra jovem depois de ouvir sobre a beleza e as virtudes de Marie. Tinha 12 anos de idade quando ouviu os soldados de seu pai informando que uma bruxa havia se mudado recentemente na torre abandonada e uma criança fora vista também no local.
O rei preferiu praticar a política da boa vizinhança e ignorar aquela presença incômoda ali, não mexer a menos que a bruxa atacasse. E os rumores chegaram ao palácio, com eles a história da pequena garotinha presa na torre. Logo a lenda se espalhou. Como uma atração turística, pessoas dos arredores vinham ver a pequena Marie, que de vez enquando saía na janela, não entendendo porque de tanta gente olhá-la. Protestos e manifestações eram feitas a pedido de que libertassem a menina, mas o feitiço era claro: somente um príncipe apaixonado poderia matar a bruxa e libertá-la da torre.
E o tempo passou. O assunto perdeu a graça para assuntos mais atuais como a chegada de um pirata aposentado na cidade, com suas histórias mirabolantes do mar; a primeira máquina de churros feita por Dona Maria – aquela que, quando criança, foi roubada junto com seu irmão, João, por uma bruxa - a maior doceira da região. A chegada de Branca de Neve ao reino também movimentou a cidade. E a história da pequena princesa Marie deixou de ser assunto no reino. Mas Henrique não se esquecia e pensava ser um dia o homem que salvaria a virtuosa princesa Marie.
Enquanto treinava com espadas, imaginava-se enfrentando a terrível bruxa, que despertaria um exército de zumbis para enfrentá-lo. E daí, então, seria o príncipe mais corajoso da região. Do mundo, quem sabe! Poderia ter seu nome acima do príncipe de Branca de Neve, Rapunzel, Cinderela.
E o tempo passou. Os príncipes tinham a dádiva de se tornarem os mais bonitos de seus reinos – pelo menos para as mulheres conterrâneas. Loiro, de olhos verdes e maliciosos, alto e musculoso. Ao jogar seus cabelos com as mãos, as garotas suspiravam. Isso dava a ele ainda mais confiança para jogar charme através de todos os movimentos de seu corpo. No auge dos seus 16 anos foi de muita serventia.
Aos 18 anos seu pai começou a apresentar princesas de outros reinos, com o propósito de casamento. Isso o fez pensar se já não estava na hora de libertar sua amada daquela torre. Realmente imaginar Marie o enchia de contentamento e o fazia sentir forte para enfrentar qualquer perigo por ela. Marie não seria como as outras do reino. Não seria fácil, seria um desafio e isso o motivava. Por outro lado, enfrentar uma poderosa bruxa o tomava de temor, e pensava se poderia sair desse desafio transformado em um sapo. Mas havia outro porém: o casamento. Sim, queria Marie com todas as suas forças. Queria vê-la, tocá-la, conversar com ela, mas o casamento o assustava e preferia resgatá-la apenas quando tivesse a certeza de que queria um compromisso sério com alguém. Mas com certeza esse alguém seria ela. Por isso, guardas vigiavam sorrateiramente a estrada para caso algum outro homem se atreva a chegar antes dele naquela torre. Contudo, nunca houve um caso de tanta resistência. Curiosos iam e vinham, mas nada acontecia.
E depois disso passaram-se mais três anos. O príncipe decidiu que resgataria a princesa naquele ano. Essa era uma promessa de todos os anos. Contudo, esse ano era especial: o aparecimento de uma suposta bruxa o faria treinar para finalmente enfrentar Brianna e libertar Marie da escravidão. Se destruísse Manda, saberia como acabar com Brianna.
- Há a possibilidade real dela não ser uma bruxa, senhor.
- Ela é uma bruxa, Walfredo. É uma maldita bruxa.
- Vamos examinar com cuidado as evidências. Achou alguma poção mágica, algo além daquele livro?
- Não. Revirei tudo, nenhuma poção. Só encontrei aquilo.
- E era uma sopa de beterraba.
- Sim, sim. Sopa de beterraba. Mas se ela não é uma bruxa, por que não diz para mim que não é?
- Talvez não confie que o senhor a possa defender.
Henrique o tomou pelo colarinho e o ergueu com raiva.
- Nunca mais repita isso, ouviu? Nunca mais! – o soltou com rispidez. – Eu sempre posso defender uma dama em apuros, nem que tenha que lutar contra todo reino.
- Sim, sim. Perdão, senhor.
- Mas há uma coisa que me intriga nela. Por que não reconheceu meu posto? Todas as mulheres no reino me reverenciam. Ou o reino de onde ela veio há príncipes mais bonitos do que eu? Será que no reino de Marie há príncipes mais bonitos? E se ela me achar feio?
- Acredito que não, senhor. – queria dar risada, mas era necessário conter-se.
Henrique se olhava no espelho e fazia poses.
- Por que essa mulher não é como as outras? De onde ela veio? O que pretende fazer aqui? Maldita bruxa, por que me enfrenta?
- Essa é a função das bruxas, senhor.
- E eu vou dar a ela a lição que merece. Já que não quis sair da cidade, vou matá-la da mesma forma que matarei Brianna.
- Certamente, senhor.

Naquele dia Henrique não estava com nenhum pouco de sono. A preocupação com os assuntos do reino o consumia e o pensamento em Marie também o incomodava. Resolveu sair para cavalgar. Era o que fazia quando noites como essas o incomodavam.
A lua estava cheia e o céu estrelado. O cavalo andava lentamente enquanto Henrique pensava na vida, observando o céu e a pastagem iluminada. De repente ouviu ruídos e luzes vindos da floresta. Deduziu que não provinha de animais; parecia uma música.
Instigado de curiosidade, foi movido ao local de onde vinha aquele barulho e luzes. Surpreendeu-se ao ver uma fogueira e velas perfumadas posicionadas em forma de círculo, e logo ali, Manda tocando uma flauta com habilidade.
Ela continuava a tocar e dançava ao redor da fogueira. A melodia, o fogo e o cheiro amadeirado o inebriavam. Ela usava um vestido preto com um véu branco caído sobre os ombros. Seus cabelos compridos e negros dançavam com a música e seu olhar o chamava para cada vez mais perto. E ele ia sem pestanejar, vendo os movimentos de sua dança, em que se viam as suas pernas ao balançar de seu vestido.
Manda parou de tocar a flauta, mas o som da canção ecoava em seus ouvidos ainda. Ela se aproximou de Henrique e com uma das mãos tocou em seu peito e olhou em seus olhos com sensualidade.
- Estava te esperando.
- Me esperando?
- Sim. Estava te chamando. Chamando seu coração com essa música.
- Estou aqui. – e a colocou uma das mãos em sua cintura. Seus lábios vermelhos se destacavam em todo rosto.
Uma das mãos dela pousou sobre seu rosto e acariciava-o. Os olhos não se desviavam dele.
- Eu sou sua, Henrique. – e o beijou deliciosamente nos lábios.
Acordou de súbito, pingando de suor e contagiado de adrenalina. Ao ver o teto de seu quarto e não as copas das árvores das florestas, constatou que tudo não se passava de um sonho.
- Maldito sonho! – jogou uma almofada longe. E se jogou na cama outra vez, com raiva de si mesmo. 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 2. Incômodo (cont.)

O príncipe poderia ter designado essa missão aos subordinados de seu reino, mas cuidar de uma bruxa julgava ser tarefa dele, para testar sua coragem – que todos sabiam no reino que não era a sua melhor virtude. Mas considerava esse um treinamento para outro desafio que queria há anos enfrentar, e por isso, diante desse problema, não poderia vacilar.
Dias mais tarde, recebeu uma denuncia de que Manda estaria usando encantamento para acabar com lares da redondeza. Havia rumores de que dois casais após tomarem uma poção mágica, resolveram se divorciar. Chamaram essa poção de “Anti-feliz para Sempre” e o medo de perderem seus maridos apossou-se das mulheres casadas do reino. Era preciso investigar.
No outro dia, à noite, Manda chegou a pensão, depois de ter ido a um passeio. Dessa vez não fora a taverna, e carregava consigo uma expressão diferente, triste. O dono da pensão nem a cumprimentou, apenas entregou-lhe a chave e nada disse. Mas também não percebeu nenhuma diferença em Manda. Ao entrar no quarto, logo viu o príncipe, sentado numa poltrona, a sua espera.
- Boa noite, Príncipe Henrique. Não esperava sua visita na minha humilde casa.
Com naturalidade, pendurou sua capa no cabideiro e fechou a porta.
- Boa noite, Manda, ou poderia dizer Bruxa Manda?
- Diga como quiser – sentada na cama, tirava seu coturno.
- Sabe que nesse reino, praticar atos de bruxaria é crime, não sabe?
- Sei sim. Veio para jantar, senhor?
- Não. Nunca se sabe quais encantamentos podem ser colocados no prato feito por uma bruxa.
- Oh, sim. Nunca se sabe. Bem lembrado. Mas eu vou comer, a caminhada me deu fome.
Olhou na prateleira da cozinha vários potes. Como a prateleira era alta, pegou uma cadeira e os alcançou, tentando achar comida em algum deles.
- Oh, os docinhos da Dona Maria! Pelo menos ficar presa com seu irmão e aquela bruxa quando criança lhe fez aprender receitas maravilhosas! - Pegou alguns doces e deixou na mesa o pote aberto. – Tem certeza que não quer?
- Não. Obrigado. Gostaria de falar com você sobre o que você veio fazer nesse reino...
- Ah sim, quer que eu te fale quais os meus planos de destruição em massa para esse reino...
- Destruição em massa?!
- Estou brincando. Viu minha toalha por aí?
- Pelo que me lembro está embaixo da cama.
- Oh! Pegue para mim, enquanto pego minha camisola.
Manda foi até a gaveta, pegou a camisola, enquanto o príncipe, contrariado pegava com dificuldade a toalha que estava embaixo da cama.
- Não deveria brincar sobre destruição em massa, em sua situação, senhorita Manda.
- E qual é a minha situação, senhor?
- Recebi denúncias de bruxaria. Segundo informações você tem...
- Feito poções mágicas para acabar com casamentos e blá blá blá...
- E é verdade?
- Você acha mesmo que isso é verdade? – dessa vez parou o que estava fazendo e olhou para os seus olhos.
- Isso é você que deve me dizer. – e manteve o olhar.
- Minha toalha.
- O que?
- Me dê a toalha.
O príncipe, desconcertado lhe deu a toalha. Ela foi para o banheiro, onde a água já estava colocada na banheira de madeira. Henrique se desconcertou ainda mais com isso, e por segundos imaginou como ela seria se estivesse nua, e cogitou se por tamanha naturalidade da garota, se ela tomaria mesmo banho em sua frente. Ela, percebendo esse pensamento de Henrique, deu um leve sorriso e fechou a porta, o que o deixou mais envergonhado de si mesmo.
- Senhorita, há muitas provas que a condena. Há um livro de magia em sua estante. E no caldeirão há uma substância estranha. – disse ao lado da porta do banheiro.
- Sim, há um livro de magia na estante e no caldeirão há sopa de beterraba. Substância muito estranha, não acha?
- Sopa de beterraba?
- Sim. Vou comer mais tarde.
O príncipe pensou em provar para ter certeza, mas preferiu apenas levar um punhado para amostra.
- Sabe que posso te levar presa, e à fogueira se quiser.
- Sei. E por que não me leva?
- Por... porque quero ouvir uma declaração sua sobre o assunto.
Um silêncio tomou o outro lado da porta. Henrique ainda permanecia com os ouvidos atentos ali. De repente a porta se abriu. Manda estava com a toalha enrolada em seu corpo.
- Você não está entendendo, não é? Não importa o que eu falar. Eu entrei nessa cidade e já fui condenada como bruxa, se eu sou ou não, isso não interessa! Ou você vai contra todo seu povo pra lutar pelo que eu disser ser verdade?
- Então sugiro que deixe essa cidade.
- Eu não vou deixar a cidade. Que a sua consciência faça o serviço.
Fechou a porta do banheiro. Henrique nunca ficou com tanta raiva de uma mulher, como naquela hora. Tentou se conter para não abrir aquela porta e dizer-lhe umas verdades. Controlou sua fúria e saiu resmungando.
- Ela está me subestimando. Essa bruxa desgraçada vai ver! Saiu batendo forte a porta atrás de si.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 2. Incômodo

Do pequeno reino de Arenosa, a torre da terrível bruxa Brianna podia ser visto. Era lá que estava a encantadora princesa Marie, no qual se havia várias lendas sobre sua beleza infindável e sua voz de canto doce. O reino de Arenosa, logo ao lado, era um vilarejo, povoado por uma maioria de humanos, mas também com alguns elfos e anões, que eram responsáveis pelo comércio na cidade. Os elfos de Arenosa tinham uma capacidade rara de negociação e eram conhecidos pela vantagem que levavam em qualquer negócio. Com seus conhecimentos mágicos, alguns deles também se dedicavam a química farmacêutica e a medicina. Os anões, assim como os elfos se dedicavam ao comércio, mas não por habilidade, mas por tradição de família. Todos eram membros de um só clã, os Eurok. Todos os outros eram humanos, bem dedicados a vida reta, recatada e cheia de tradições.
O rei do lugar, Henrique IX, ditava suas regras com mãos de ferro, e poucos a descumpriam. Conhecia cada habitante de seu reino pelo nome, e conversava com cada família, quando necessário, mantendo seu poder em suas mãos. Sua mulher havia morrido no parto e só lhe restara na família um filho, que cuidava com todas as suas forças: Henrique X.

Ela chegou pelas montanhas do norte. Era um mistério seu passado. Uma ameaça para o reino, segundo julgavam os habitantes de lá. Há muitos anos uma bruxa não cruzava as fronteiras de Arenosa. Até mesmo Brianna, com forte poderes, nunca havia entrado no reino.
A nova visitante não aparentava ser uma bruxa, mas chegou não causando boa impressão por seus costumes e uso indevido de seus poderes – poderes nos quais humanos comuns não poderiam ter.
Manda chegou na cidade causando má impressão logo de vista. Não usava vestidos, se vestia como um homem e os cabelos negros e longos se confundiam com sua capa que carregava nas costas. Enquanto andava a passos firmes, com seu coturno cano longo, as mulheres a observavam com temor e espanto, e os homens também com temor, mas com desejo pelos lábios vermelhos daquela mulher.
Entrou na pousada e pediu um quarto. Minutos depois todo o reino sabia onde estava alojada. Os dias se passaram, e a notícia da visitante indesejada chegou até o castelo. Os costumes de beber na taverna com os malfeitores da cidade e usar a magia sem responsabilidade, não agradou nada o rei. O príncipe então, se dispôs a levar as cortesias do reino para a misteriosa jovem.

- Ela não me parece uma bruxa, Walfredo.
- Tome cuidado. Presumo que ela possa estar numa espécie de encantamento para disfarçar sua real aparência.
- Preciso vê-la de perto. – apressou-se saindo de seu esconderijo entre as pedras e indo até a taverna, onde Manda acabara de entrar.
- Meu senhor, é perigoso. Os malfeitores da cidade podem...
Não adiantou. Henrique já estava na taverna e a única opção foi também entrar.
Anões cantavam uma música de piratas, ao som de uma melodia alegre. Enquanto isso pessoas nas mesas falavam alto, jogavam cartas e bebiam. Bebiam muito. Viam-se elfos, anões, ex-piratas, ogros, lobisomens – que se percebiam pela quantidade enorme de pêlos, mesmo durante o dia, e os hábitos primitivos de um verdadeiro cão. Prostitutas humanas e ninfas passeavam entre as mesas desfrutando dos carinhos de seus clientes. As ninfas prostituídas eram as mais queridas dos vilões da taverna, pelos truques mágicos que faziam nos melhores momentos. Porém, cobravam mais caro pelos seus serviços, por isso, logo se deduzia que a companhia de uma ninfa era pessoa de posses ou regalia de poucos dias na vida.
O príncipe virou o rosto para não ser reconhecido por uma ninfa que conhecia muito bem. Nisso, encontrou Manda sentada diante do balcão sozinha, na companhia apenas de uma taça de vinho.
Sentou-se ao seu lado, com todo o jeito especial que só um príncipe adquire, e perguntou, agitando o cabelo com uma das mãos:
- Por que vir a uma taverna como essa para beber vinho?
- E por que não?
- Eah, por que não?
Pediu um vinho ao garçom, que reconhecendo quem era, olhou espantado, mas logo disfarçou por ser repreendido pelo olhar do próprio príncipe. Manda percebeu, mas não falou nada. Tomava sua bebida com desdém.
- E o que a trás aqui em Arenosa? Pelo que vejo é nova aqui.
- Pensei que já soubesse sobre mim e minha fama, cavalheiro. Afinal, quem não sabe?
- Eu não sei, me conte. – e se aproximou da face de Manda, mostrando atenção.
- Se você se acha tão esperto assim, príncipe Henrique, descubra.
Deixou o banco e foi para uma das mesas em que estavam jogando cartas e nem mais lhe dirigiu o olhar. Esse desdém deixou Henrique aos nervos. A primeira vontade era de arrancá-la dali e obrigá-la a tratar com respeito um príncipe, mas julgou inadequado por se tratar de uma mulher e ainda não ter provas concretas de que é uma bruxa. Por recomendação do servo saíram daquele lugar; não sem antes ver Manda apostar e ganhar nas mesas de carta, com uma habilidade e confiança digna de poucos vigaristas da época tinha. E isso deixava o príncipe ainda mais intrigado. A mesma garota que vem a uma taverna beber vinho rouba nas cartas com maestria de um profissional.
- Qual é a desse cara, Troglodita? – Manda pergunta ao ogro companheiro de cartas na mesa.
- Ele é o príncipe Henrique, herdeiro do trono de Arenosa. Um filhinho de papai, riquinho, que acha que tem coragem, mas duvido que tenha tirado aquela espada da bainha algum dia.
- Não me pareceu tão covarde assim. Para ter vindo até aqui...
- E acha que nós íamos querer que ele morresse sem reinar? Não estamos nem aí para ele.
- Dizem que ele é apaixonado pela princesa Marie, que está presa na torre perto daqui. É louco por ela, mas nunca teve coragem de tirar a princesa de lá. – comentou um lobisomem que também jogava.
- Ou talvez queira curtir mais a vida antes de se acorrentar. – disse um anão, aos risos e contagiando a mesa, até causar gargalhadas.
- Princesa Marie?! Quem é essa?
E lhe contaram a lenda, com verdades, meias verdades e algumas invenções, assim como todas as histórias passadas por várias línguas. Manda escutava com atenção e ao mesmo tempo com o interesse de alguém que colocava uma carta na manga. 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A princesa, a bruxa e a Liberdade - 1. Maldição (cont.)

- Acho que é perigoso ir por esse caminho.
- Mas ele não vai nos encontrar aqui. Vai ficar nos procurando um tempão. Não é assim a brincadeira?
- É, mas não sei... não me parece certo.
- Ah! Vamos, largue de ser boba, Marie.
Ela seguiu o seu amigo para um caminho em que nunca tinha ido. Marie tinha uma infância solitária no palácio, mas desde os 9 anos, havia encontrado nos amiguinhos súditos, companheiros para todas as horas. Ela era proibida de sair do castelo sem um adulto e de manter amizade com pessoas fora de sua classe social. Então seu contato com os amigos que fizera, era escondido de todos. Havia criado uma passagem secreta em que saía, sem que ninguém percebesse, e voltava sem ninguém ter notado sua falta. O palácio era muito grande, por isso era comum se perder por entre aqueles corredores. E aproveitando isso, saía e passava algumas horas brincando com os seus coleguinhas. Nesse dia brincava de esconde-esconde no fim da cidade. 
Chegaram a uma casa em ruínas. Parecia abandonada há séculos.
- Venha, Marie. Vamos nos esconder ali.
Eles correram até a casa abandonada. Abriram a porta e constataram que não tinha nada além das madeiras da casa, que eram comidas pelos cupins. Fecharam a porta rapidamente, e para a surpresa de ambos, tudo mudou ao seu redor. Aquela casa de madeira úmida e descascada se tornou uma singela casa mobiliada e com lareira, e um cheiro suave de biscoitos que acabara de assar.
Uma velha de roupa preta vinha com uma assadeira cheia dos biscoitos aos quais recendiam o cheiro da casa. Muito amistosa convidou as duas crianças para comerem.
- Meus amores, estava esperando vocês. Sentem-se e comam biscoito com chocolate quente.
O garoto, sem hesitar, com a barriga roncando, sentou-se imediatamente na cadeira e foi logo pegando um biscoito com as mãos sujas de terra.
A velhinha logo bateu em sua mão com energia.
- Vá lavar a mão, moleque porco! Quer dizer, anjinho. É logo ali, e lhe indicou a cozinha.
Marie estava desconfiada.
- Quem é você? Não tinha nada quando entramos na casa.
- Sou Brianna, uma tia sua muito distante.
- Ninguém nunca me falou de uma tia chamada Brianna!
- Como disse, sou muito distante. Quantos anos você tem?
- De... – hesitou ao falar a idade, pois seus pais falavam a ela para nunca contar que havia feito aniversário de dez anos – nove. Tenho nove anos.
- Experimente um biscoito, vamos. Aproveite enquanto está quente.
Marie foi até a travessa. O cheiro estava delicioso. Estenderam as mãos à mesa para pegar um, afinal, não seria mal educado comer unzinho para experimentar, já que a boa velhinha insistia tanto. Lembrou-se de uma coisa.
- Ah! Não lavei minhas mãos!
Os olhos da velha se encheram de fúria. Abriu a boca preparando um berro, mas se conteve e sorriu.
- Sim, é verdade. É por ali.
Depois de um minuto, voltaram os dois e logo se sentaram à mesa para comer. E comeram com muita alegria aos olhos da velhinha sorridente. O chocolate quente era diferente de todos os outros que haviam provado, e o mais gostoso. E o biscoito dava vontade de comer sem parar, ainda mais para o amigo de Marie, que muitas vezes passava dias sem comer.
De repente, a visão dos dois embassa e não conseguem enxergar mais nada. Um sono os derruba instantaneamente e deitam ali mesmo na mesa, com a face nos seus pratos.

O garoto foi achado na porta da cidade. Marie nunca mais fora vista desde então. Viajantes contam que ela se encontra presa pela bruxa Brianna numa torre, em uma terra distante do reino de Córdoba. E a lenda dizia que apenas a coragem e audácia de um príncipe encantado poderiam salvá-la dessa maldição terrível.